Chegamos ao Marrocos... mais um país cheio de placas incompreensíveis...

... e gente bem diferente da gente.

Uma das maiores preocupações que tenho sempre que entro em um país com um idioma que não conheço é de colocar o combustível correto. Se eu me enganar e colocar o combustível errado, o motor pode ser seriamente danificado. Enchemos os tanques reservas do teto também para garantir, pois não sabíamos o que iríamos encontrar pela frente.

E pela estrada cruzamos com dezenas de lindas mesquitas.

Nosso destino era a cidade de Chefchauoen. Um lugar onde o Tapa passou algumas tardes brincando com seu amigo espanhol, o beagle Bruno. Eu não sabia até chegar ao Marrocos que os árabes não gostam de cachorros. Eles associam o bicho como algo impuro, sujo ou coisa do tipo. Tudo bem que o Tapa é fedorento e peidorrento... mas sujo e impuro? Não precisa exagerar.

Chefchaouen é uma cidade toda branca e azul.

O branco é para aliviar o calor pesado e o azul é para espantar os mosquitos. E funciona! Mosquito não gosta de azul, sabia?

A cidade é toda murada, com diversões portões.

As portas das casinhas são lindas...

... uma mais bonita que a outra.

Segundo um berbere que foi nosso guia por lá, Chefchauoen é a capital da maconha no Marrocos. Em volta da cidade e nas proximidades existem diversas plantações de maconha. A produção do haxixe é uma tradição antiga na região. Na estrada muitas pessoas vendem blocos prensados de  maconha e haxixe com a mesma discrição de quem vende alho.

Fui dar uma volta com o Tapa e fui abordado por um malandro. Malandro tem a mesma “bad vibe” no mundo inteiro. É aquele olhar interesseiro querendo se fazer de amigo... o mais impressionante é que quase todos os berberes falam cinco ou seis idiomas. Esse trocou idéia comigo em português mesmo:

-Bem vindo ao Marrocos!

-Valeu!

-De onde é você?

-Brasil.

-Kaká, Ronaldo! (essa é praxe)

-É (eu não estava com saco para trocar idéia com o maluco. Já tinha sacado a dele de longe)

Ele viu que a conversa não ia render e já mandou logo a real intenção:

-Vai um bagulhinho aí? Maconha, haxixe...dos bons.

-Não amigo, não fumo.

-Cara, tenho uma plantação linda de maconha. Vamos lá para você tirar umas fotos, filmar. É de graça.

-Não amigo, não rola.

-E você não quer levar maconha para a Europa? Dá para ganhar muito, muito dinheiro.

-Não amigo, não quero.

-Você pode fumar tudo que você quiser lá...

-Não, já disse que não fumo.

Virei as costas, saí andando e ignorei o "péla". De longe ele gritou uma parada que eu tive que rir por dentro.

-Vamos misturar com chã de hortelã! É bonzão!
 

No camping, paramos ao lado de um inglês chamado Sam. Em seu jipe tinha o adesivo de um website, que é minha principal fonte de pesquisas há mais de dois anos. Chama-se www.africa-overland.net  e lá tem links para sites de diversos viajantes que atravessam diversos países de carro ao redor do mundo.

Nós mesmos, temos um link neste site há mais de um ano. Sam é um dos donos do site e mal pude acreditar na sorte de estar ali com o cara. É claro que fiz pelo menos duas mil perguntas. Cara maneiro, gentilmente nos deu um mapa zerado do Marrocos e um monte de velinhas anti-mosquito. Ele é desses caras que gostam de viajar sozinhos pelos desertos da África. O cara ama tanto o deserto que abandonou Londres para morar no Egito.

Nossa próxima parada foi Fes El Bali.

A maior cidade medieval ainda existente no mundo!

Lá conhecemos o “pequeno” Alexandre. Um brasileiro que está trabalhando em Fes temporariamente. Ele está implementando no Marrocos o mesmo sistema de impostos que é utilizado pelo governo brasileiro para fiscalizar a venda de bebidas alcóolicas. Foi bom encontrar um conterrâneo.

No camping de Fes chegou um comboio italiano com seis Land Rovers. Na mesma noite já estavamos na mesma mesa com um mapa aberto conversando. Os caras se uniram através do site italiano www.africaland.it  e estavam viajando juntos por todo o Marrocos. Liderados por Giba “ Il Vagabondo”, um cara com mais de trinta anos de viagens pela África e um livro de lindas fotos de todos os cantos desse incrível continente. Fomos convidados para viajar com eles e claro que topamos! Encontraríamos-nos na cidade de Midelt no dia seguinte.

Cruzamos a cordilheira dos Atlas. Essa cordilheira se formou quando a América e a África se colidiram há milhões de anos atrás. Hoje seu pico tem mais de quatro mil metros de altitude e neva no inverno.

Vendo os acampamentos berberes, com seus pastores, ovelhas, carneiros e jegues que pareciam ter saído de alguma estória bíblica, nossa meta era o deserto do Saara, lá atrás dos Atlas.

Em Midelt encontramos nossos amigos italianos e seguimos a viagem rumo às enormes dunas do Saara.

Cruzamos muitas vilas monocolores...

... muitos acampamentos berberes...

... vilas que pareciam um forno. Um forno de barro à 50 graus.

Mas de vez em quando aparecia um oásis...

... e a gente parava para bater um rango. O fedorento sentiu o calor forte e começou a chiar.

Fizemos nossa última parada para abastecer todos os tanques possíveis e deixamos nosso adesivo lá, do lado de muitas outras expedições que passaram pelo Saara.

E o deserto do Saara mostrava sua cara pela primeira vez para a gente.

Paramos em frente a um “estacionamento”  de camelos. Na verdade são dromedários, pois só têm uma corcunda. Camelo tem duas.

Muito espaço é o sinal verde para ver o fedorento dar uma corrida desesperada em direção ao horizonte infinito.

Cara, o Tapa é muito maluco. Já desisti de transformá-lo em um cachorro normal, de família... enfim um cachorro bonzinho.

Ele é uma criatura louca e desesperada. Não tem jeito.

Agora fico só rindo da esculhambação dele...

Subimos no primeiro dromedário que vimos...

... e entramos ainda mais no deserto.

Cruzamos a trilha utlizada pelo Paris-Dakar...

... e andamos mais de duas horas nos dromedários para dentro de deserto. Fomos quase na fronteira da Argélia.

Foi o calor mais intenso que já senti na vida. Levei uma garrafa de cinco litros de água para mim e outra para a Ana. Estava tão quente, tão quente, tão quente, que a água ficou na temperatura perfeita para misturar café solúvel e beber. Não estou exagerando. Eu não sabia que água poderia ficar tão quente sem fogo ou microondas.

Depois de duas horas nos dromedários subindo e descendo muitas dezenas de enormes dunas, você começa a rezar para o acampamento chegar logo.

Os berberes armaram mesas e tapetes para a gente no meio do deserto.

Ficamos em uma mesa com uma família engraçadíssima de Barcelona. Naquela noite rimos um bocado em volta de uma mesa... regados a muito chá de hortelã e comida berbere.

Um berbere ofereceu uns dromedários por uma das filhas do cara. Claro que o cara não topou... então ele ofereceu mais dromedários pela outra filha e ele também não quis, rindo.

No fim perguntou:

-Quantos dromedários você quer por sua esposa, então?

-Nenhum!

E o sacana perguntou sem nenhuma vergonha:

-Então ela é de graça?

Os berberes são engraçados e inteligentes. Quando contamos que pretendíamos descer para Mauritânia ele disse para não cometermos essa estupidez. Ele tinha um amigo que estava seqüestrado há mais de dez meses na região.

Realmente uma grande onda de seqüestros vem assolando a região entre Mauritânia, Mali e Níger. O Paris-Dakar não existe mais por causa dos extremistas da região. Nos dias que estivemos no Marrocos assassinaram um sequestrado após uma tentativa de resgate pelo exército francês junto com o exército mauritano. O bicho está pegando no noroeste da Africa e não faltaram conselhos para desistirmos de descer pela costa africana.

Depois, subimos uma duna enoooooooorme e ficamos lá em cima vendo aquele céu estrelado lindo. Uma noite sem lua, mal dava para ver as dunas... mas o céu, meu amigo... noooossssaaaa!

Nunca vi tanta estrela cadente na vida. Dezenas delas rasgando o céu a todo instante. Lindo, lindo, lindo. O deserto é como o oceano, lá no meião dele, de noite, as estrelas fazem um show espetacular.

Quando descemos as dunas, as camas estavam armadas e era só desabar ali e ver o céu ainda mais. Que maravilha! Juro que nunca mais vou esquecer daquele céu, daquela noite, daquele lugar.

Acordamos nos pés de uma duna de uns 60 metros e o único luxo era um espelho para as mulheres  se pentearem.

O lance era montar em um dromedário, o mais cedo possível, e ralar fora antes do sol começar a fritar novamente.

A volta durou mais duas horas bastante calorosas.

O passeio foi uma experiência fantástica e inesquecível. Altamente recomendável para todos que vão visitar o Marrocos.

Depois de duas horas de nossa chegada do passeio começou uma enorme tempestade de areia.

Ficou tudo laranja e difícil de respirar.

Quando terminou, diversas barracas berberes foram desmanchadas.

Tapa estava com muito calor e teve que ficar no ar condicionado com a gente.

O comboio italiano foi para um lado e nós fomos para outro...

... nos despedimos dos nossos amigos italianos...

... e seguimos em direção a Marrakech junto com um Land Rover dessa galera. Nele estavam Roberto e seu filho Andrea. Estes dois foram uma excelente companhia nos dias seguintes.

Roberto é um grande veterinário italiano e acima tem um vídeo de sua clínica. Aproveitei para fazer umas perguntinhas:

-Roberto, o Tapa peida demais. Não tem remédio para isso não?

-Ração boa. Nada mais.

-Iiiiii então ferrou.

E naquela mesma noite o fedorento caprichou na seção de bufas.

Cruzamos montanhas desérticas...

... até chegar na exótica Marrakech.

Marrakech é uma doideira e foi a cidade que mais gostamos no Marrocos.

Serpentes espalhadas no chão... até enrolaram uma em mim.

O artesanato marroquino é lindo....

... as luminárias são alucinantes.

Tem os famosos tapetes também... mas gostei mesmo foi do cara que serve água.

Vistamos templos lindíssimos.

Cada figuraça.

Devia estar fazendo uns 45 graus, mas a sensação térmica era de 50 graus. Estava tão seco que começou a sair muito sangue do nariz do Andrea, coitado. Uma água na nuca melhora bastante o calor desagradável.

No camping em Marrakech nossa “sombra” era um pé de azeitona de um metro de altura. Estava um calor de matar. O Tapa estava passando muito perrengue.

Para piorar a situação, tinha mosca em todo e qualquer lugar. Tive que amarrar o carro no pé de azeitona para as moscas não carregarem o Farofamóvel pro meio do deserto.

 Fugimos do calor em direção ao litoral.

Nossa parada agora era Essaouira.

A cidade dos camelos na praia, do kite surf e do wind surf.

A medina da cidade é alucinante. Das mais bonitas do Marrocos.

Ali é um excelente lugar para comer frutos do mar bem baratos.

Fomos conhecer a lendária onda de Taghazout.

Mas estava sem onda... no verão não tem onda em nenhum lugar do mundo mesmo.

Até encontramos umas ondinhas... mas merreca.

Passamos noites lindas na região de Agadir. Teve até chuva de meteoros.

E chegou o dia do aniversário da minha olhuda. O segundo da viagem.

Para animar a festiva convidamos o francês Fred (o de bigode), que tem casa no Rio de Janeiro! O cara conhece o Rio melhor que a gente ... hehehe. E quem chega do nada? Duas Lands dos italianos com Andrea e a esposa, Valéria, e Claudio. Noite maneira com muita cerveja e churrasco. Sorte a nossa!

Nessa região os camelos dormem na praia...

... e as mulheres vão à praia de burca.

Em Agadir, a Ana teve uma intoxicação alimentar sinistra. A limpeza não é o forte dos marroquinos. Os caras não usam guardanapo, não limpam as mãos e não é difícil ver os caras passarem a mão no bigode e depois na comida, passarem a mão na careca suada e depois na comida... e por aí vai.

Depois de uma noite se contorcendo, vomitando muito, levei a Ana em um hospital. O hospital marroquino dá medo. Lá os caras falam árabe e no máximo, francês. Na recepção aquele lenga lenga tradicional, a maior zona.

Depois de tentar me entender com uma mulher de burca, vi que não haveria progresso. Já saímos entrando no atendimento na marra. Mais filas e filas. Vi uma fila enorme até uma sala. Entrei "entrando" no horror, dizendo:

-Intoxicacion... Intoxicacion

Lá dentro, três médicos conversavam entre si e quase me ignoraram.

Insisti:

-Intoxicacion... Intoxicacioooooooon

A médica de burca apontou para aporta e disse:

-Abdulasalomesalam

A comunicação corporal dela foi clara. Ela disse: Ô mané, espera lá fora.

Do lado de fora, a Ana estava de cócoras escorada na parede do lado de uma mulher toda de preto que só dava para ver os olhos. Até de luva preta ela estava. Que mêda!

A Ana estava sofrendo muito. Que desespero...

Agarrei uma enfermeira de burca pelo braço e voltamos para sala dos médicos.

A mulher sentiu que eu era o maior péla-saco do dia e quis se livrar da gente rápido.

Em dez minutos a Ana tomou injeção e saímos do hospital com a receita dos remédios. Show!

A recuperação da Ana foi lenta, mas eficiente.

E voltamos para norte pelo litoral, passando por lindas praias desertas...

... portais marroquinos...

... e praias que lembravam, um pouquinho, o Brasil.

Passamos por Safi.

E finalizamos em Rabat.

A capital do país.

O Marrocos é uma visita incrível e o forte do lugar é não só a cultura, mas também seu povo e as construções árabes.

Mas já aviso logo: a dor de barriga é certa e vai junto no pacote

HOTEIS     ALBERGUES

 

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